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Continuando o raciocínio de um post anterior (no blog anterior!):
Uma outra parte da resposta do SpindleyQ teve uma ressonância retardatária na minha pessoa:
Computers got more and more complex, and the knowledge I needed kept changing. I spent a lot of time playing catch-up, trying to learn things and not quite getting there before those things became irrelevant. To be able to attain the skills I spent my childhood struggling and yearning to attain, to master these problems that once stymied me, to show myself that I wasn't as lost as I'd thought, the challenges weren't as insurmountable as I'd feared - it's strong stuff! It feels really, really good!
Isso me lembra do Drew DeVault falando que a gente tem essa expectativa maluca de que o software continue "evoluindo" indefinidamente. Lembra um pouco crescimentismo econôminco. É bom e necessário que o software seja feito com objetivos específicos em mente, e que parem de mexer nele quando ele alcançar esses objetivos.
(Não consegui achar exatamente o post exato que eu queria no blog do Drew DeVault, mas tem muitos que tocam nessa questão.)
Penso muito sobre como isso afeta a liberdade efetiva de software. Existem de fato dois navegadores da Web (o resto são derivados ou incompletos), e um é putinha do outro. Agora olha quantos navegadores de Gemini existem! Todos criados independentemente! Por isso também eu tenho picuinha com systemd. Uma coisa desse tamanho (não venha me falar que é modular) só pode ter seus rumos determinados por grandes organizações.
Mas divago. Estamos falando de jogos. De engines e plataformas para criação de jogos.
Acho que é por isso que tem um número significativo de pessoas que são atraídas por plataformas antigas, handhelds moderninhos (muitos deles à base de Arduino) e consoles fantasia. Você tem uma ferramenta boa o suficiente pra maioria das suas necessidades. Há restrições, mas são restrições confortáveis. Confortáveis porque não chegam a ser opressivas, e também porque protegem de uma complexidade que pode vir a ser exaustiva. Essas ferramentas quase sempre têm um grande alcance multiplataforma (nativamente ou através de emuladores ou interpretadores). Ferramentas mais complexas podem ser às vezes necessárias, mas nem sempre a complexidade compensa, exigindo mais em termos de desenvolvimento e de manutenção.
Uma dessas plataformas que eu vi recentemente é o 32blit.
Confesso que olhei só por cima, e parece uma coisa muito recente e imatura*, mas gostei do que vi. Quer dizer, eu já superei esse negócio de handheldzinho indie. Mesmo que esse seja 100% livre (até o firmware)! Mas ele exporta executáveis pra computadores modernos usando SDL2 - em termos leigos, significa que o jogo roda até no PC da sua avó. Nada de shaders, ou essa frescuralhada. Sem restrições desconfortáveis. A resolução é 320x240, que a história dos videogames já provou ser perfeitamente adequada pra quase tudo.
Poderia ter mais restrições, veja bem. Restrições são interessantes, do ponto de vista criativo, mas eles preferiram uma coisa mais aberta, empoderadora - até porque um aparelho como esse precisa ter uma cultura em volta, precisa atingir massa crítica; se não, morre. Tá, o PICO-8 é limitadíssimo e tem uma comunidade forte em volta. Mas pense que o PICO-8 foi o primeiro console fantasia. E as restrições gráficas do PICO-8 são muito únicas. Assim como no caso do ZX Spectrum ou do MSX, as informações de um frame do PICO-8 cabem dentro de 8k de memória. O Spectrum e o MSX dão uma resolução mais ou menos confortável, mas são restritivos em termos de cores. Já o PICO-8 dá uma liberdade legalzinha nas cores, mas restringe drasticamente a resolução. É um negócio sem comparação, sem precedentes, especial. E tenho a impressão de que essa arte colorida e blocuda do PICO-8 é muito mais fácil de fazer, de animar, mais acessível que arte 1-bit. Arte 1-bit é DIFÍCIL!
As restrições artísticas do PICO-8 e de outros consoles fantasia são uma graça, mas restrições menores e pragmáticas do 32blit cumprem uma função diferente. As primeiras estimulam a criatividade, as segundas simplesmente oferecem um ambiente fértil. Vale ressaltar, as restrições do PICO-8 têm também um lado negativo. Programar dentro da telinha minúscula do PICO-8 é realmente um saco, e a comunidade teve que fazer altas gambiarras pra contornar isso.
Não consigo achar agora, mas lembro vagamente de alguma coisa do Manuel Bandeira falando sobre sonetos. Bandeira, modernista, verso livre, mas ele dizia que é importante compor em estruturas mais tradicionais, mais restritivas, pra entender o que faz do verso o verso, e só depois poder criar verso sem essas restrições.
Voltando à questão da estabilidade (porque restrições ≃ simplicidade ≃ estabilidade): a Apple de repente decidiu que não ia mais dar suporte a programas de 32 bits no iOS. Mesmo que não custasse nada pra ela. De cuzona mesmo. Isso afetou muita gente, mas o exemplo mais dramático é o caso do menininho autista que amava um jogo específico mais que tudo no mundo:
https://twitter.com/NoMansSky/status/1486670564962017290
(peço perdão pelo vacilo de mandar link pro Twitter)
2024-05-10