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Postado em 25.04.2023 11:42
Autor(es): Fernando Pessoa
Editora: Principis
Páginas: 368
Idioma: português
ISBN-13: 9788594318572
ISBN-10: 859431857X
Terminei minha 1ª leitura completa desse livro só agora, na idade adulta. Se tornou um dos meus livros favoritos da vida.
De certa forma, eu já sabia que era desde a época do Ensino Médio, por mais contraditório que possa parecer ter um livro em alta conta antes de lê-lo na íntegra.
Explico: estudando o modernismo, fui apresentado em sala de aula ao [poema Tabacaria](http://arquivopessoa.net/textos/163) e à alguns poucos fragmentos do *Livro do Desassossego*. Foi grande a impressão que esses textos me causaram. Mesmo com essa amostragem pequena, eu tinha certeza de que gostaria muito dos demais fragmentos.
E assim aconteceu. Alimentar expectativas frequentemente nos frustra, mas não foi o caso aqui. Comecei a ler marcando a lápis os fragmentos que mais gostava, para relê-los depois. Terminei com uma marcação a cada 2 páginas em média, isso por baixo. Virou um livro de cabeceira. Vou recomeçar a leitura ainda hoje à noite e pretendo ler um fragmento por dia antes de dormir.
Se enrolo para escrever sobre a "história" do livro em si, é porque é desafiante, mesmo tendo ressoado muito comigo. Para começar, não é um livro de ficção convencional, que conta uma sequência de acontecimentos num universo ficcional. É um diário de Bernardo Soares, um semi-heterônimo do Fernando Pessoa. Ele é um "semi" porque nas palavras de Pessoa[^1]:
[...] O meu semi-heterônimo Bernardo Soares, que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. **É um semi-heterônimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afetividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de tênue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual**; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos como dizer "eu próprio" em vez de "eu mesmo", etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado [...].
Os fragmentos, aos quais me referi anteriormente, são entradas nesse diário. Pelo que li superficialmente, esses fragmentos geralmente são agrupados em 3 fases da produção do Fernando Pessoa. Essas fases diferem em temática. Fiz questão de não ler mais para poder escrever minhas próprias impressões.
A orelha da edição que li fala em *inquietude* e realmente há um bocado disso (o nome do livro é *do desassossego*, afinal), mas, tentando ser um pouco mais especifico, o tema que mais me impactou foi o da solidão e isolamento.
Nem tanto pela dificuldade de se conectar a outrem, mas pela futilidade da tentativa, pela impossibilidade de se ligar a outrem. Para Soares, só temos a nossa percepção, nossas sensações, da realidade. Tudo está atrás das lentes dos nossos sentidos e interpretação, portanto "realidade" é apenas uma sensação nossa.
Ter uma vida introspectiva diversa, sonhar ricamente, é mais importante do que qualquer outra coisa porque no fim nossos sonhos são as únicas coisas que realmente temos. Aspirar a mais do que isso é fútil. Tudo mais causa um tédio existencial profundo. Só temos nosso mundo interno, mais nada.
Abaixo deixo um fragmento que julgo exemplificar bem isso. É um trecho sobre amor que conheci ainda durante o Ensino Médio:
Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É um conceito nosso – em suma, é a nós mesmos – que amamos.
Isto é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa. O onanista é abjeto, mas, em exata verdade, o onanista é a perfeita expressão lógica do amoroso. É o único que não disfarça nem se engana.
As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade. No próprio ato em que nos conhecemos, nos desconhecemos. Dizem os dois "amo-te" ou pensam-no e sentem-no por troca, e cada um quer dizer uma ideia diferente, uma vida diferente, até, porventura, uma cor ou um aroma diferente, na soma abstrata de impressões que constitui a atividade da alma.
Estou hoje lúcido como se não existisse. O meu pensamento é em claro como um esqueleto, sem os trapos carnais da ilusão de exprimir. E estas considerações, que formo e abandono, não nasceram de coisa alguma – de coisa alguma, pelo menos, que me esteja na plateia da consciência.
Talvez aquela desilusão do caixeiro de praça com a rapariga que tinha, talvez qualquer frase lida nos casos amorosos que os jornais transcrevem dos estrangeiros, talvez até uma vaga náusea que trago comigo e me não expeli fisicamente…
Disse mal o escoliasta de Virgílio. É de compreender que sobretudo nos cansamos. Viver é não pensar.
Há mais na obra do que citei acima, mas essas temáticas foram as que mais me marcaram, pelo menos nessa 1ª leitura.
Odeio dar notas para as coisas, nunca fiz isso em nenhuma impressão de leitura que já escrevi aqui, mas se eu o fizesse, o *Livro do Desassossego* receberia nota máxima. 10/10, tanto pelo conteúdo quanto pelo estilo. Recomendo fortemente.
[^1]: Trecho de carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro, de 13 de janeiro de 1935. O grifo é meu.