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colheres

sex abr 30 12:19:37 UTC 2021

Listas de afazeres, coisas para fazer no dia, todo tipo de organização para a rotina são só mais uma demanda se não há alguma medida para quantificar nossa energia também. Adotando a teoria de Christine Miserandino, é possível pensar essa medida em colheres.

Essas listas podem criar a sensação de que tudo "tem que" ser feito, e se não for feito o fracasso é todo nosso. Cometemos o erro de tentar fazer o máximo possível. Mas dessa forma a lista nos prejudica mais do que ajuda.

Se tenho uma lista, preciso escolher alguns poucos itens para fazer a cada dia. Sei que vou ter vários episódios de autorregulação e espaços para me recentrar durante o dia se eu penso ele assim. Sei que terei tempo suficiente para preparar o que for fazer, e para fazer aquilo que é inevitável e que está presente em todos os dias: preparar comida, limpar a casa, cuidar do meu corpo e sua fisiologia.

Algo que para mim pode consumir muitas colheres mas que passa despercebido a algumas pessoas é conversar. Conversar sobre qualquer assunto não relacionado às atividades do dia, em especial conversar sobre planos e tarefas futuras sobre as quais nada pode ser feito no presente, pode me deixar sem energia para executar as do agora.

É difícil que isso seja compreendido, porque a maioria das pessoas neurotípicas ao redor parecem estar querendo "decidir" muitas coisas através de conversas dispersas que tocam em muitos assuntos. Sua forma de fazer isso é trocando muitas informações que não necessariamente se realizarão assim.

Para mim, cada informação tem um peso grande e eu não consigo filtrar as que devo reter e as que devo deixar ir para o ralo imediatamente. Para além da estranheza comum nas interações rotineiras com pessoas desconhecidas, é com as pessoas mais próximas que isso costuma causar alguma confusão.

Se estou absorta em alguma atividade, como escrever, ler, estudar, jogar, limpar algo, qualquer coisa que em que a atenção esteja focada, uma informação que atravessar esse processo irá desorganizá-lo completamente.

Não faz sentido querer que isso seja comunicado todas as vezes para que as pessoas neurotípicas estejam "cientes" porque não há momentos em que isso não vai ser assim. Isso ocorre em 100% das vezes em que qualquer atividade estiver sendo feita, e só acaba quando a atividade acaba. Alí abre-se um espaço e, se a atividade não foi interrompida, é um espaço de prazer porque aquela energia foi gasta e a minha atenção então se relaxa.

Da mesma forma, um dia pode ser pensado como uma longa atividade que dura várias horas. Se dormimos por oito horas, então o dia é uma atividade de 16 horas em que há X colheres para serem usadas em X atividades.

Se essas atividades forem interrompidas constantemente por muitos assuntos paralelos, ao invés das conversas acontecerem em algum espaço de socialização, então todo o dia ficará marcado por essa sensação de desorganização emocional.

Isso coloca problemas na socialização entre pessoas neurodivergentes e pessoas neurotípicas, porque para evitar sentir-se estranha, um incômodo, um fardo, para evitar deixar as pessoas neurotípicas desconfortáveis, fazendo autojulgamentos culposos sobre sua inabilidade em observar o capacitismo, vou passar então a mascarar minha desorganização emocional. E isso vai ser igualmente danoso, tanto para mim quanto para minhas relações.

A única saída que encontrei foi essa pela qual estou saindo agora: a comunicação que segue meios alternativos, como a escrita, a poesia, a música, meios que não são uma "conversa" frontal e direta como as pessoas neurotípicas esperam que você esteja constantemente as lembrando e alertando sobre a sua neurodiversidade. Isso faz pouco sentido porque a neurodivergência está nos afetando 24h por dia, e todas as nossas ações e interações são atravessadas por ela.