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Crises

Pensando no aspecto neurodiverso, uma crise não é algo que rapidamente passa e que no momento seguinte já pode ser "deixada pra lá".

Crises podem nos afetar por dias. E se ouvimos julgamentos sugerindo que essa crise tem que ser superada logo, essa cobrança pode acabar sendo internalizada.

Caso isso aconteça, a autoestima de uma pessoa neurodiversa pode começar a ser afetada em um ciclo vicioso: a crise inicia a tentativa de seguir em frente, e a falha em conseguir isso causa outra crise.

Por isso prefiro, isto é, aprendi a priorizar lugares e relações onde meu espaço e meu tempo são respeitados.

Isso é essencial pois se você negligenciar seus limites a situação só ficará mais difícil.

Caso você já esteja vivendo em um contexto onde não está conseguindo se comunicar sobre esses limites, busque a ajuda de outras pessoas neurodiversas, de pessoas amigas ou de profissionais em que você confie.

Aspectos nervosos

Quando tenho uma crise, durante e depois sinto duas coisas: vergonha e auto-ódio.

Sinto vergonha porque sei que pessoas neurotípicas identificam crises como sendo características infantis. Elas também têm suas crises, mas em geral conseguem regulá-las em público ou então as justificam culpando as outras pessoas.

Elas começam a reclamar e verbalizar seus sentimentos. Podem até entrar em discussões e brigas, mas isso parece ser um caminho para elas. A raiva as faz manterem-se defensivas, centradas, e elas argumentam bem a seu próprio favor quando estão assim.

Para mim, se entrar em uma discussão no meio de uma crise ela só se agravará. Se alguém disser algo que me atingir e causar mais raiva, não irei usar essa raiva para me defender: essa raiva vai sobrecarregar meu sistema nervoso todo e então vai se voltar contra mim mesma.

Por dentro, vou estar realmente pesando o que foi dito de forma racional, avaliando mesmo apesar do nervoso se o que fiz ou falei foi infeliz.

Reconhecer nossos erros é algo bom, mas no meio de uma crise nervosa é uma péssima ideia.

Auto-ódio

Quando tenho uma crise, não culpo a outra pessoa por sua desconsideração quanto aos meus gatilhos. Eu culpo a mim mesma por não conseguir me autorregular. Durante a própria crise tenho esse sentimento de auto-ódio.

Não deixe isso acontecer com regularidade com você ou com pessoas neurodivergentes que você ama. Esses episódios podem ter um efeito grande sobre a nossa autoestima.

Mesmo que eu tentasse conscientemente responsabilizar outra pessoa por minha crise, essa pessoa não pode fazer com que a sensação passe — é inútil.

A maioria das pessoas neurotípicas que conheço acreditam em sentir suas emoções, extravasá-las, expressá-las, mas é diferente. Sua neurologia é diferente. Sentir raiva é diferente da sensação nervosa de sobrecarregamento. As duas coisas podem acontecer juntas, mas também separadas.

Não me pergunte o que estou sentindo

Expressar meus sentimentos pode me ajudar antes de uma crise. Mas se já estou tendo reações nervosas, é inútil ou até pior. Tentar verbalizar essses sentimentos e falhar pode ser o gatilho final para que a crise exploda.

A sensação de nervoso em uma crise como estou descrevendo não é apenas sobre a sensação emocional da raiva.

Estou falando sobre uma sensação física na parte frontal do cérebro, que leva à perda temporária das funções executivas — ou seja, do controle sobre nossas ações. Em geral faz com que levemos as mãos à cabeça. A respiração é afetada e apertamos os olhos, as têmporas e/ou as orelhas com as mãos. Os punhos costumam se fechar, os músculos ficam tensos e a comunicação é quase impossível.

É uma sensação muito intensa, que deixa um resíduo no corpo durante um tempo longo. Demoramos a nos reajustar mesmo se aparentemente "passou". Se esse padrão se repetir com frequência, o corpo nunca vai repousar de fato.

Não é a mesma coisa que sentir emoções como raiva e irritação, algo que de fato faz parte da vida diária, mas que passa por outros processos de autorregulação, mesmo que também cause desgaste.

Gatilhos

Me ajudou muito observar e registrar o que me causa crises. Isso é difícil de fazer com as demais pessoas pois a maioria despreza todo tipo de atitude de cuidado.

Se tive uma crise recente posso levar tempo até me recuperar. Preciso lembrar de não me cobrar excessivamente ou isso pode criar ciclos de crises contínuas, o que é perigoso.

Posso levar alguns dias para me acalmar e me cuidar nesse período, programando as atividades. Assim lembro que é normal para todas as pessoas que nos alternemos entre ciclos mais caóticos e outros mais organizados, sem linearidade.

Observando esses padrões com cuidado, quando gatilhos são disparados vou para um lugar mais calmo e recorro às minhas estratégias de autorregulação para me acalmar. É por isso também que escrevo textos como esse. Eles sintetizam muitas coisas que me escapam completamente em momentos de crise. Tendo o registro do que penso quando estou confiante e tranquila, posso sempre retomar o conhecimento de que a forma como existo também é normal, e que todas as pessoas passam por momentos de nervoso.

Ver também:

Autorregulação