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A internet está cheia de informações sobre nossas necessidades e sofrimentos específicos.
Esse acesso à informação pode parecer, em um primeiro momento, o oásis tão desejado de onde podemos tirar soluções para nossas angústias e conflitos.
Mas isso não acontece dessa forma. Esse acesso também pode criar uma falsa expectativa, e uma relação exigente, porque transferimos para as outras pessoas uma responsabilidade sobrecarregante de absorverem toda a informação que acessamos através da tecnologia - e isso é um engano.
Ninguém pode saber, muito menos o tempo todo, o que está se passando conosco, como lidar com nossa forma de ser, não importa quantos textos leia e quantos vídeos assista.
Nem nós podemos saber a todo momento qual é o melhor modo de agir não importa quanta terapia façamos e quanto remédio tomemos. Essa é a perspectiva capacitista, que sugere que toda pessoa com deficiência tem que passar por um processo linear de "tratamento" e que no final dele ela vai deixar de ser deficiente.
Porque estamos sempre lidando com questões diferentes e que se sobrepõem e atravessam, não adianta centrar uma única delas. Não dá para cuidar somente daquilo que me aflige pessoalmente. Esse autocentramento vai ser inútil porque todas as minhas relações vão ser prejudicadas, e minha tentativa de autoproteção só irá gerar mais demandas e conflitos.
Talvez alguém possa se revoltar com a minha perspectiva, como se eu estivesse defendendo um tipo de conformismo passivo ao invés do desafio frontal ao capacitismo e à recusa das pessoas em reverem o quanto estão presas a ele.
Mas acho que essa postura pode ser também reacionária. Se nós pensarmos a fundo, ela só faz sentido para pessoas que enfrentam a neurodivergência como sua única especificidade na vida.
Para todas as outras, lidar dessa forma com o capacitismo irá somente adoecer mais os nossos corpos.
E se a deficiência de uma pessoa trans não pode ser separada da sua transgeneridade, a deficiência de uma pessoa Preta não pode ser separada da sua negritude, como poderia tomar prioridade sobre o outro aspecto?
Se a deficiência é diversa, se as pessoas são plurais, irredutíveis, o respeito pela deficiência de cada uma delas é o respeito por tudo que elas tenham como especificidade também.
A deficiência é muitas vezes invisível, ou é deixada de lado. Podemos demorar anos até termos acesso à informação sobre ela.
Não é possível ter apenas a deficiência no centro porque a deficiência sozinha não nos define. Sendo assim, não adianta aprender e executar tudo que podemos sobre a deficiência e esperar que nossa vida entre em um "eixo" a partir disso.
Essa chegada de informação em um novo momento pode ser só isso, um acréscimo a um processo que já possuía inúmeras outras faces e que estava tentando alcançar inúmeros outros lugares antes da deficiência tentar ser centrada.
Se pensarmos o processo de centrar a deficiência dessa forma, ele pode se tornar na verdade um apagamento das outras questões.
A não ser que nossas relações sejam com pessoas que passam por situações muito próximas das nossas, podemos cair em uma armadilha ao nos absorvermos nesse tipo de conteúdo.
Podemos passar a desejar um tipo de compreensão que talvez não seja irreal nem inalcançável, mas que leva tempo, paciência e em especial muito carinho.
Particularmente no caso da neurodiversidade e de outras condições neurológicas, a dificuldade de regulação emocional, se for compartilhada, vai causar atritos inevitáveis e possivelmente violentos ou autolesivos.
Você não deve travar uma guerra com as pessoas que você valoriza. Se elas não estão ouvindo e respeitando seus limites e suas necessidades, talvez você esteja tentando cultivar uma relação com pessoas que não têm a mesma intenção com você. Se elas te enxergam apenas como tendo alguma finalidade, não como uma pessoa com intenções próprias e um destino próprio a escolher, você pode travar uma guerra por sua libertação, mas a guerra para que elas te compreendam e respeitem talvez já esteja perdida.
Isso não deve trazer desalento, mas força. Você não precisa lutar uma batalha para te aceitarem. A batalha é para ter a sua autonomia, e se você já a possui e agora busca construir um espaço de cuidado, será difícil fazer isso através de um enfrentamento constante, desmedido. Ter uma relação saudável é um processo baseado no afeto e na comunicação, e sem nenhum ponto final onde atingimos a perfeição e segurança permanentes.
Nós tendemos a criar uma grande expectativa ao imaginarmos como nossa relação seria se fossem incorporadas algumas dessas informações.
Mas ao tentar incorporá-las, porque fazemos isso sem o contexto linguístico, entonação, a emoção própria da nossa vontade de construir uma forma de afeto que nos contemple, nossa comunicação pode ser interpretada como uma cobrança, uma problematização da outra pessoa, ou até mesmo como uma repreensão.
É muito comum que nossa seriedade seja vista como raiva, isto é, como se o que estamos dizendo seja imperativo. Mas nós falamos dessa forma porque toda a energia está indo para falar, e nada se dispersa no processo de regular as expressões faciais, não-verbais, na passagem da emoção que iria de fato transmitir qual é a nossa intenção, construir uma forma de afeto menos dolorosa.
Isso pode criar um muro entre duas pessoas que se gostam, e a pessoa autista pode se frustrar cada vez mais até desistir e retornar ao processo de mascaramento onde provavelmente estava antes de tentar construir essa outra forma.
Mascaramento é quando uma pessoa autista se relaciona de forma neurotípica e apenas se ajusta, emula seu comportamento a partir de um entendimento racional de como agir para agradar a todas as pessoas independente das suas próprias necessidades e opiniões.
Isso também é um muro, mas um que as pessoas neurotípicas não apenas valorizam mas no qual tentam treinar pessoas autistas achando que as estão curando. Mas para a pessoa autista esse processo pode causar um enorme desgaste, dúvidas sobre sua própria forma de ser e pode ser simplesmente insustentável a longo prazo.
A expectativa que ela havia criado era de não precisar mais do mascaramento, mas ela volta a ele, respondendo perguntas sempre de forma positiva e preenchendo silêncios com linguagem formularizada ou que replica o comportamento que está observando ao redor.
Isso pode ser facilmente percebido pela pessoa neurotípica mais atenta (embora possa ser interpretado como desonestidade ou manipulação, e não como um sinal de neurodivergência), mas também passar totalmente despercebido.
No fundo, ela terá de reprimir uma sensação de que não é querida da forma como realmente é.