Depois de pelo menos uns 8 anos estritamente usando notebooks,
finalmente vou retornar a usar um computador de mesa ou, como chamam na
gringa um: _desktop_. Aproveitei para pensar um pouco sobre o que eu
vejo chamarem como _"General Purpose Computer"_, ou de forma mais
simples, computadores de verdade.
Veja bem, com a introdução dos computadores pessoais, ou a popularização
do acesso a computadores e, de certa forma, a internet, impulsionou-se
um processo mais agressivo de como limitar o poder do usuário sobre
seus computadores e suas máquinas. Fornecedores de computadores passaram
a aderir mais e mais práticas que possibilitassem um maior controle
deles sobre até onde o usuário pode ir, e de certa forma, limitar também
a utilidade de um computador como um todo.
Práticas como DRM _(Digital Rights Management)_, possibilitaram que a
industria como um todo conseguisse reduzir os nossos direitos de
propriedade sobre mídias, e de certa forma, a desmanchar o propósito
geral de um computador. Hoje, se olharmos, utilizamos computadores como
um mero portal para _acessar serviços_, dos quais pagamos (e caro) por
eles e _apenas espiamos pela janela, enquanto o serviço quiser_, basta
olhar as diversas reclamações de séries e filmes sendo removidos do
catálogo do Netflix/Prime, vídeos e músicas sendo proibidas de estarem
disponíveis no Youtube, artistas se recusando a utilizar plataformas
como o Spotify pelo valor irrisório que eles pagam a artistas
independentes, e por aí vai.
Recentemente vi um tuite do _Tyler, the Creator_, comentando que _um
amigo dele não sabia que era possível passar arquivos `.mp3` para dentro
de um telefone, alias ele nem sabia que era possível ter música como um
arquivo em si_. Um colega meu se surpreendeu que eu tenho cópias locais
de músicas e documentos que eu acho importante, e que eu não utilizo "a
nuvem". Um amigo meu comentando que o Windows faz de tudo para previnir
que alguém logue sem ter uma conta Microsoft. Tudo isso são sintomas
desse mundo construído onde o computador, e desde o sistema operacional
até as aplicações que rodam nele são feitas para beneficiar as
indústrias as custas dos usuários.
Incluo o computador, ou seja a máquina física, porque essas práticas se
estendem a própria construção das mesmas. A obsessão dos fabricantes de
computadores por um "notebook mais fino" não é por que um notebook mais fino é
mais otimizado (conhecidamente notebooks mais finos tem problemas de
sobreaquecimento devido a falta de espaço para circulação de ar), ou tampouco
uma decisão puramente estética, mas muito mais voltado ao fato que um
computador mais fino impõe restrições que tornam ele menos atualizável.
Baterias de computadores não são mais substituíveis, peças do computador são
difíceis de conseguirem serem trocadas caso estraguem, e que nos levam a
decisão de comprar uma nova máquina, porque o custo de conserto acaba por ser
"tão caro quanto um novo", caindo assim num ciclo infinito de obsolescência
programada.
É sempre bom lembrar, que obsolescência programada não é uma teoria da
conspiração. Na verdade, o seu autor original era um economista
norte-americano chamado Bernard London, da qual publicou essa ideia no
seu artigo _"Ending the Depression through Planned Obsolescence"_
(Encerrando a Depressão (financeira) através da Obsolescência
Programada). Empresas de tecnologia já foram pegas no flagra
intencionalmente embutindo nos seus produtos. A
lógica de reduzir cada vez mais o escopo dos nossos computadores não é
uma coincidência também.
Artigo da BBC sobre obsolescência programada na indústria de tecnologia
Obsolescência programada, DRM, embutir _anti-features_
(anti-funcionalidades) diretamente no sistema operacional, tudo isso
ajuda a cristalizar esse mundo onde corporações controlam tudo o que a
gente vê, o que fazemos e inclusive o que podemos fazer. É mais do que
urgente discutir sobre e ir pelo caminho de escolher e construir
alternativas que respeitem a liberdade dos usuários e acima de tudo
permitam que eles possam usar o seus computadores da forma que ele foi
feito para ser utilizado, desde navegar na internet, criar documentos,
escutar música, tocar vídeos e muito mais.
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O texto "Computadores de Verdade" foi publicado em 13 de Dezembro de 2020.
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