A Colheita

Postado em 21.02.2023 06:00

Capa

Autor(es): Galina Nikolaieva

Editora: Editorial Vitória

Páginas: 550

Idioma: português

ISBN-13: ?

ISBN-10: ?

Terminei essa leitura pela manhã. Começo a escrever isso à noite. Procrastinei porque não queria que as linhas que garatujo aqui acabassem desestimulando alguém a buscar esse livro. Gostei por tantos motivos diferentes que acho que não vou fazê-lo justiça, mas vou tentar.

Essa é uma história sobre um [*kolkhoz*](https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/k/kolkhoz.htm) e vários de seus trabalhadores no período pós-[Grande Guerra Patriótica](https://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Guerra_Patri%C3%B3tica). Além dos dramas pessoais na vida de cada um, acompanhamos as transformações no próprio *kolkhoz*: ele sai de retardatário em produção no distrito para uma posição de destaque no final do livro.

Vários fatores contribuem para essa melhora: o trabalho de organização feito pelo presidente do *kolkhoz*, o envolvimento cada vez mais assíduo da comunidade no trabalho coletivo, a eletrificação e mecanização do trabalho agrícola, os conhecimentos da ciência agronômica sendo aplicados até nas regiões mais remotas.

Essa é uma das coisas mais interessantes desse livro: temos um vislumbre de como se organiza o trabalho rural - algo que para quem sempre morou em ambiente urbano pode parecer simples, mas definitivamente não é - numa comunidade que tem uma sociabilidade e organização da produção muito distinta da nossa - é um *kolkhoz*, com muitos espaços coletivos, não é um fazendão privado.

Até aqui, acho que fiz o livro parecer informativo, talvez como um livro didático, e, apesar de aprender ser um efeito colateral interessante, não é para isso que se lê um livro de ficção. Acho que para mostrar que é um {{< strike >}}puta{{</ strike >}} baita romance também, basta citar como o 1º capítulo começa: um soldado ferido gravemente na cabeça fica 2 anos em tratamento. Até seu regimento o dava como morto. Quando ele finalmente restabelece as forças e volta para casa, tem aquele momento de felicidade ao reencontrar as filhas, a esposa e...

Dá de cara com um outro homem dormindo em sua cama. O período de ausência do soldado foi tão longo que sua devotada esposa acabou se envolvendo romanticamente com outra pessoa. Esse é apenas o início da história de Vassili, que assumirá a presidência do *kolkhoz*. Acompanhamos muitas outras personagens daquela comunidade.

Temos Valentina, agrônoma, que vive se deslocando por conta do trabalho no distrito. Andréi, seu marido, que é secretário do comitê distrital do partido. O casamento deles é afetado por ambos viverem vida nômade. Temos vários tratoristas e condutores de máquinas agrícolas, orgulhosos do seu trabalho. Temos Buiánov, eletricista enviado para ajudar nos esforços de eletrificação do *kolkhoz*, que a princípio não gosta de ser mandado para uma comunidade tão isolada. Temos os [*komsomóis*](https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/k/komsomol.htm), envolvidos com as inovações técnico-científicas, personificados principalmente na figura de Aliocha e sua empolgação pelo trabalho coletivo. Temos os mais indolentes, que se preocupam mais com resolver o seu lado e negligenciam o trabalho *kolkhoziano*.

É grande a variedade de personalidades interagindo ali, citei só algumas. Anote o nome num caderno quando as personagens aparecerem pela primeira vez que você ficará bem[^1]. Rapidamente se entende quem é quem. Não é um livro difícil de acompanhar.

O que eu gostaria de deixar claro com as linhas acima é que não é só um livro de propaganda ou educativo sobre o trabalho nas fazendas coletivas na URSS. **É um bom romance**. Eu nunca imaginei que leria sobre uma corrida para colher centeio antes de uma tempestade com a mesma empolgação que leria sobre uma batalha épica. Aconteceu nessa história.

Vou citar mais algumas características que me surpreenderam, especialmente por ser um livro de 1954:

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Sim e honestamente? Eu não poderia me importar menos. Li e gostei muito.

Até [peças de recrutamento](https://www.foxnews.com/us/top-gun-maverick-navy-air-force-recruitment-boost) podem ser entretenimento. Isso não implica em não saber que são peças de recrutamento.

Dá para apreciar obras e desprezar as mensagens nelas.

Uma das coisas fascinantes acerca da Arte é a possibilidade de admirarmos uma obra por seus elementos técnicos/criativos/narrativos/etc e, ao mesmo tempo, desprezarmos profundamente a mensagem que estes transmitem. No extremo desta dicotomia, há clássicos como O Nascimento de uma Nação e O Triunfo da Vontade, claro, mas, de certo modo, inúmeros outros filmes usam a linguagem de forma intrigante para levar o espectador a se identificar com personagens e situações que normalmente desprezaria (pensem em Scarface, A Queda, Taxi Driver e tantos outros). Assim, não é espantoso que este Sniper Americano tenha me agradado tanto embora, política e moralmente corrompido, traga como protagonista um psicopata que insiste em tratar como herói. - Pablo Villaça[^2]

Dito isso, já que esse é **meu site**, quero deixar claro que acho que se não superarmos rapidamente o capitalismo, estamos fodidos. Como espécie mesmo. O sistema de produção vigente representa uma ameaça à nossa sobrevivência. Tem potencial para nos extinguir. Você não leu as opiniões de uma "pessoa neutra". Neutro é *shampoo*. Eu tendo a me identificar com histórias como as de "A Colheita".

Porém, honestamente acho que é uma história legal. Dá para você gostar mesmo que não esteja ideologicamente alinhado com a autora.

Numa [monografia](https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwjBqsylj6j9AhWiqJUCHaYWDFYQFnoECAoQAQ&url=https%3A%2F%2Fpantheon.ufrj.br%2Fbitstream%2F11422%2F461%2F1%2FRomances%2520do%2520Povo.pdf&usg=AOvVaw0wf-ghKmsFIKCRvOa-q-56), é citado o cuidado do organizador da coleção em que o livro foi publicado, o escritor Jorge Amado, de não deixar que os títulos fossem só doutrinários:

Tendo assumido a direção da editora do Partido Comunista Brasileiro um intelectual de alta qualidade, Alberto Passos Guimarães, e estando desejoso de ampliar a editora, reduzida até então a publicações teóricas e doutrinárias, convidou-me a organizar uma coleção de romances que, sendo de conteúdo social, não fosse obrigatoriamente limitados pela ideologia. Isso foi feito.

Então, se não quiser acreditar em mim, acredite no Jorge Amado.

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A capa que aparece acima não é a capa da edição que eu li. A que eu li só trazia o título e nome da autora na lombada. Não tinha nada escrito na capa.

Busquei, sem sucesso, esse livro em português na Estante Virtual, no Mercado Livre, na Amazon, no LibGen e em grupos no Telegram. Achei na Biblioteca Municipal de Petrópolis. 😄

Essa leitura me deu a sensação de estar em contato com uma raridade e serviu para eu refazer meu cadastro na biblioteca para empréstimo. Foi legal por esse aspecto também. 😊

{{< figure src="frontispicio.jpeg" width="75%" title="Frontispício da edição de \"A Colheita\" que li. Foi bom retomar o hábito de pegar livros na biblioteca com um livro de 1954 difícil de encontrar. Dá a sensação de que há muitos tesouros a serem descobertos por lá ainda." alt="Frontispício da edição de \"A Colheita\" disponível na Biblioteca Municipal de Petrópolis." >}}

[^1]:É fácil se espantar com a 1ª aparição de nomes como Ksénofontovna, Matvéievitch e Ossipovitch. 😅

[^2]:1º parágrafo da [crítica ao filme "Sniper Americano"](https://cinemaemcena.com.br/critica/filme/2640/sniper-americano).